sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Resolver problemas...

«Aos trinta e sete anos aprendi a arranjar coisas. Até lá, quase todas as minhas tentativas de fazer pequenas reparações de canalização, arranjar brinquedos ou montar móveis embalados de acordo com a folha de instruções hieroglíficas que os acompanhavam, terminavam em confusão, insucesso ou frustração. Apesar de ter conseguido sobreviver até ao fim do curso de Medicina e sustentar uma família como executivo e psiquiatra mais ou menos bem sucedido, considerava-me um idiota em termos de mecânica. Estava convencido de que tinha uma deficiência em qualquer gene, ou que, por maldição da Natureza, me faltava a qualidade mística responsável pela aptidão pela mecânica. Até que um dia, no final do ano em que fiz trinta e sete anos, ao passear num Domingo de Primavera, dei com um vizinho que estava a arranjar uma máquina de cortar relva. Depois de o cumprimentar, comentei: "Sabe, tenho grande admiração por si. Nunca consegui arranjar esse tipo de coisas nem fazer nada do género." O meu vizinho, sem nenhuma hesitação, ripostou: "Isso é porque não lhe dedica tempo." Continuei o meu passeio, algo inquieto com a simplicidade, espontaneidade e determinação da resposta. "Será que ele tem razão?", perguntei a mim mesmo. De qualquer maneira, ficou-me na memória, e na primeira oportunidade que surgiu de fazer uma pequena reparação, lembrei-me que era preciso dar-lhe tempo.
O travão de mão do carro de uma doente tinha colado e ela sabia que havia qualquer coisa que se puxava por baixo da consola para o soltar, mas não sabia o quê. Deitei-me no chão, por baixo do assento da frente do carro. Levei o tempo necessário a acomodar-me. Quando me senti confortável, examinei a situação tranquilamente. Olhei durante alguns minutos. Inicialmente só vi  uma confusão de cabos e tubos e hastes cujo significado não conhecia. Mas gradualmente, sem pressa, consegui focar o olhar no dispositivo de travagem  e seguir o seu percurso. Então tornou-se claro que havia uma pequena alavanca que não deixava soltar o travão. Estudei a alavanca vagarosamente até se tornar claro que, se a empurrasse para cima com a ponta do dedo, a movimentaria com facilidade e soltaria o travão. Foi o que fiz. Um único movimento, alguns gramas de pressão de um dedo, e o problema ficou resolvido. Eu era um mestre mecânico!
Na verdade, nem tenho conhecimentos - nem sequer tempo para os adquirir - que me permitam resolver a maior parte das avarias mecânicas, dado que escolhi concentrar o meu tempo em assuntos não mecânicos. Portanto, continuo a ir a correr à oficina mais próxima. Mas agora sei que é uma escolha feita por mim, que não fui amaldiçoado, nem tenho uma deficiência genética, nem sou de outra forma incapaz ou impotente. E sei que eu ou qualquer outra pessoa, que não seja deficiente mental, podemos resolver qualquer problema se nos dispusermos a dedicar-lhe tempo.»
Scott Peck in O caminho menos percorrido

Tenho trinta e sete anos. Sei que existe uma alavanca que permite soltar o travão que me deixa estagnada onde estou, só não sei como se faz. Mas sei que preciso dedicar-me tempo.

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