sábado, 13 de junho de 2009

"Brinca, não fiques a ver"

Consigo ver a minha vida como uma construção, como se fosse uma casa ou uma torre feita de peças de lego. Ao longo do tempo fui encaixando peças umas nas outras, peças com um sentido muito consciente e deliberado, outras sem um sentido aparente.
Sinto que nos últimos anos fiz um processo inverso: retirar as peças e tentar entendê-las, compreendê-las, integrá-las, conhecê-las, perceber que sentido têm e que sentido fazem no resto do conjunto.
Seguir este processo para cada peça, uma a uma, é demorado e difícil, mas eventualmente necessário. E neste processo o inevitável acabou por acontecer: é que o desconstruir implica um momento em que tudo está disperso, em que não há ordem, não há construção visível, apenas a recordação de um sentido passado e a possibilidade de um sentido futuro, mas não a existência concreta e real de um sentido presente. Como na metáfora do trapézio em que há um momento em que se fica suspenso no ar, sem seguranças, sem certezas.
Não sei se é possível voltar a construir tudo de novo, exactamente com a mesma ordem. Talvez não. Talvez sobrem peças. Talvez seja como desmontar um aparelho qualquer e voltar a montá-lo e perceber que sobraram parafusos ou uma peça que já não sabemos onde pertence, mas que acaba por não ser importante porque tudo funciona na mesma.
Seja como for, o processo de re-construir, de re-integrar, de re-significar é necessário. E mais do que chegar ao fim, que dificilmente se conseguirá, o que é necessário é o processo de fazer o processo.
Nesta fase de caos, de desordem, de inexistência real e concreta de um sentido presente, quase sempre senti a certeza do sentido futuro e quase nunca desespero e angústia. De alguma forma sempre intui que o sentido se faria, embora sem datas marcadas.
Não tenho ainda uma agenda. As peças vão-se encaixando lentamente. Às vezes tenho a sensação de intuir algo. Outras vezes parece que o processo estagnou. Neste momento só tenho a certeza (quase absoluta, se isso é possível) que o processo se está a fazer. E de vez em quando o vislumbre muito breve de uma imagem aparentemente completa, pronta, talvez do tal sentido futuro.
Sinto que tudo se encaminha para aí. Sinto-me a dirigir-me para lá. E às vezes sinto que sou dirigida para lá. Há demasiadas coisas (leia-se pessoas, situações, não-coincidências) a apontarem o caminho. Há alturas em que parece que a cada esquina há um painel luminoso a dizer: "É mesmo por aqui!"
Hoje fui ver o filme "Anjos e Demónios" e fiquei presa à resposta do professor Langdon à pergunta "você acredita em Deus?". Ele respondeu que a fé era um dom e que ele sentia que ainda não lhe tinha sido dado esse dom. E lembrei-me de uma pessoa que conheci há um tempo e que me disse mais ou menos a mesma coisa. Lembrei-me dessa pessoa e pronto. Alguém que conheci e nunca mais vi, mas que me marcou num momento muito particular neste meu processo de desconstrução, contemplação do caos e início da reconstrução. Essa pessoa deixou-me hoje, inesperadamente, esta mensagem no e-mail, como resposta a um outro que lhe enviei há meses: "Gostei muito da mensagem em anexo. Revela várias coisas, que já tinha intuído em ti: coragem e lucidez. O título deveria ser: procura-se a vida, porque a vida sem interesse ou paixão, pelo que quer que nos exalte interiormente, perde dimensão e fica mais pobre." Este foi, hoje, um grande sinal luminoso a dizer: "Por aqui, vais para lá, para onde tens que ir".
Incrivelmente os termos coragem e lucidez traduzem na perfeição aquilo que eu queria dizer quando escrevi aqui sobre a minha verdade mais pura. Esta verdade, que mais não é do que a liberdade para ser aquilo que sou, requer a coragem para a fazer acontecer e a lucidez para não me perder naquilo que não sou. Mais incrível ainda é que têm sido várias as pessoas que, directa ou indirectamente, me têm passado essa mensagem ultimamente.
Não é lá muito corajoso nem lúcido ficar à espera do sentido futuro para começar a viver. Finalizar uma etapa, arrumá-la muito direitinha e começar outra nova. Não é assim que a vida acontece. Ou melhor, a vida acontece e continua a acontecer enquanto eu estou preocupada em entendê-la e organizá-la. O tempo não pára. Portanto, há que sair de cima do muro e ousar viver, ser.
Quase que me atreveria a dizer que ficou gravado no meu peito, a ferro e fogo (como no filme), que a vida sem interesse ou paixão, não é vida; que a vida sem ser vivida, não é vida; que já tenho em mim a coragem e a lucidez. Ou, como diz hoje num blog aqui ao lado: "Brinca, não fiques a ver".

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